Cidade Pequenina: Uma carta de amor a vida do interior.
Uma das mais divertidas obras lançadas pelo selo original Pipoca & Nanquim é sem dúvida nenhuma Cidade Pequenina dos irmãos Camilo e Aldo Solano, que traz pequenos “causos” de uma cidadezinha chamada São Manuel, um cotidiano pacato que é retratado em 19 diferentes contos, a narrativa imita uma forma de prosa informal, igual a uma conversa espontânea quase como uma fofoca ou um bate-papo de botequim.

Crônicas de uma cidade comum a todos nós:
Para quem mora numa capital ou numa cidade maior pode parecer estranho algumas das pessoas que transitam por essas páginas. Era muito comum encontrar gente sentada nas calçadas, vendo as pessoas e o tempo passar. Como vivo numa cidade parecida com a retratada vi muitas dessas pessoas, tive um vizinho que se sentava na esquina sob a sombra de uma árvore todos os dias até pouco tempo antes de adoecer e morrer, confesso que há momentos em que passo pela árvore e consigo vê-lo me cumprimentando.
Outras figuras estranhas como muitos dos personagens coloridos e irreverentes parecem existir em todas as nossas comunidades. Havia um sujeito baixinho e com o pavio curto tal qual um personagem no livro chamado de Butina. Tinha um radialista que era tratado como celebridade. Enfim, muito do que está nesse álbum se parece com coisas que eu presenciei ou ouvi. Até mesmo tinha um poeta local que declamava suas próprias criações em troca de bebida, como era muito novo não me lembro de serem boas, tenho a vívida recordação dele ser um chato que conseguiu uma maneira de se embriagar de graça.
A cidade é o personagem:
A Cidade pequenina, ou São Manuel, é a protagonista dessas histórias. Através dos capítulos consigo ver bem a sua geografia, como diversos municípios ela deve ter uma praça central que desemboca numa igreja, em seu entorno bancos, uma escola, um cinema, bares, lojas e toda uma pequena zona comercial que ganha cores nos finais de semana quando os jovens se reúnem. Há diversas particularidades que são magistralmente colocadas nas páginas. Há, pelo menos para mim, um tom de familiaridade, é como se eu fosse um velho conhecido do lugar.
O texto dos autores é muito divertido, seus “causos” são bem escolhidos, mostram os tipos diferentes que se encontram no interior de nosso país. É engraçado como as pessoas interioranas são representadas de forma leve, mais despreocupadas do que o pessoal das metrópoles. A vida por aqui tem um ritmo mais calmo, é possível perceber um pouco dessa efemeridade, desse estilo de vida que vai sendo abandonado. Os próprios autores confessam que ouviram a maioria das situações ilustradas, coisas que faziam parte de nossas rotinas e que vão mudando com a passagem do tempo.

Esse tipo de crônica conversa com a minha história:
A HQ me conduziu à minha infância, através de um texto com alta carga de oralidade tive uma nostálgica e prazerosa viagem no tempo. A arte dos irmãos é maravilhosa, apesar de um tom bem cartunesco, com uma arte bem caricata. Essa liberdade estilista valoriza a gente retratada. O traço dos artistas capta de forma ideal as ações, muitas vezes irreverentes e irresponsáveis, desses habitantes locais, uma atmosfera meio absurda que transborda humor e muito amor.
É perceptível o amor dos irmãos por sua cidade, como eles são gratos por viverem num lugar com tanta peculiaridade. Mesmo sendo claramente apaixonados pelo lugar, há uma pontinha de crítica social, uma forma de mostrar os absurdos de um tempo que não volta mais. Fico imaginando quantas pessoas eles entrevistaram, quantas histórias engraçadas eles ouviram e como foi difícil escolher apenas 19. Há um olhar existencial sobre a condição humana.
Os incríveis irmãos Solano:
O trabalho dos irmão Solano é tão incrível que impressionou até mesmo o genial Robert Crumb, pai do quadrinho underground, que se encantou com a prosa deles, com o amor deles pela sua cidade, além de perceber uma pequena ponta de tristeza ao ver que parte da riqueza do interior está morrendo. A arte dos quadrinistas tem uma forte influência desse movimento artístico.
A forma bem-humorada e despreocupada com que apresentam as histórias é incrível, acho que o último conto finaliza o álbum com chave de ouro. O protagonismo é dos autores que tentam desvendar um dos maiores mistérios da cidade, é a única história que aparenta ser desse século. É incrível ver como eles conseguem falar sobre diversos aspectos locais com um ar global.
Certamente devo parabenizar o pessoal do Pipoca e Nanquim por nos presentear com mais um belo petardo. Esse álbum falou diretamente comigo, conheci causos que certamente poderiam estar nele. Espero que esse projeto tenha uma continuação, essa obra, ou melhor, a cidade de São Manuel merece ter novos “causos” para manter viva e atual o cotidiano desse nosso interior, que aos poucos vai perdendo a sua leveza, calma e simplicidade.
Realmente, é gratificante podermos recordar origens bucólicas. Fernando, por favor, complemente o post com informações comerciais da obra: tipo onde adquirir, preço médio, essas coisas. Na Net, não encontrei. Desde já, grato.
Oi, Ricardo. Seja bem-vindo. Que bom que você gostou. Se você quiser comprar é só acessar a Amazon. https://www.amazon.com.br/Cidade-Pequenina-graphic-Novel-%C3%9Anico/dp/6589912394