Mais Forte do que a espada: uma obra filosofica sobre a vida
Há cerca de dois anos conheci a obra do mestre Hiroshi Hirata, hoje eu o coloco na lista de meus autores japoneses prediletos. Seu traço é incrível, sua narrativa é impecável e seus roteiros muito bem escritos. Vale destacar que uma das maiores proezas, do quadrinista, além das que eu já mencionei, é a sua preocupação histórica. Seus textos retratam um Japão antigo, perigoso, diferente e muito interessante. Ao todo a editora Pipoca e Nanquim já lançou três obras dele e espero que mais coisa seja publicada no Brasil.
Uma história sobre o japão Feudal:
A primeira de suas obras a agraciarem nossas coleções foi o Preço da Desonra, Hirata conta a história de um cobrador de promissórias. No Japão feudal, durante o período de guerras, era comum a execução de inimigos que perderam a luta. Todavia também era normal solicitar a clemência através da elaboração de um documento que indicaria o valor da vida do indivíduo caído, após assinado esse termo que estipulava o um tempo para a captação do valor acordado, um profissional, normalmente um Ronin, um samurai que não possui mais um senhor, era designado para cobrar a dívida, retornando com dinheiro ou a cabeça do devedor.

Essa primeira obra foi muito interessante, tenta desconstruir a figura clássica do guerreiro incorruptível e infalível que tanto nos acostumamos. É uma aventura mais tradicional com muito sangue e um pouco de filosofia. Sua segunda obra Satsuma Gishiden, ou a Crônica dos letais guerreiros de Satsuma, ele apresenta Samurais como seres falhos e egoístas que devem se submeter aos mandos do imperador pela honra do clã. Essa obra felizmente tive o privilégio de escrever sobre.
É diferente das anteriores:
Esperava com a sua terceira obra, Mais forte do que a Espada, algo próximo todavia a semelhança fica no tema abordado. Diferentemente das publicações anteriores aqui temos uma mulher chamada Hisa Simizu como um dos protagonistas da obra, ela é esposa de Yasuhide Shimizu. Somos apresentados aos dois durante o seu casamento. Logo no início fica claro que Hisa é uma jovem respeitosa, sábia e muito forte. Durante esse evento o clã é atacado por bandidos, ela e seu marido se defendem, a jovem de 15 anos surpreendentemente consegue conter os ataques de alguns dos bandidos e até mesmo carregar um homem ferido para fora do campo de batalha. Na noite de núpcias ela consegue com sua força e gentileza conter o ímpeto de seu marido que tenta à força possuí-la. Nessa história Hisa é tão importante quanto seu marido. Há um certo exagero na corpulência ou capacidade física da jovem, que contrasta com a sua afetividade, bondade e inteligência.
Yasuhider, outro dos protagonistas, tem uma enorme evolução passando de um homem que pensa apenas no combate para um ser mais humano que se preocupa com as pessoas sob seu comando. Mesmo sendo obrigado em determinados momentos a realizar atividades que possam ser tidas como desonrosas, uma vez que é obrigado a ir ao front sem ter dinheiro. Ele tenta manter a calma, ser gentil com seus subordinados.

A sua postura e a forma como ele se apresenta causa um certo desconforto nos demais generais. Como um filósofo, inspirado na força e intelecto de sua esposa, ele deixa claro que o mais importante não são os trajes que veste e sim a intenção de seguir seu senhor independentemente do custo pessoal. Hirata nos mostra uma realidade pouco “romantizada” da guerra. Apresenta homens que numa situação extrema são levados a cometer crimes para que permaneçam vivos.
Ela é uma força da natureza:
Hisa é uma força da natureza, uma fortaleza que tenta além de criar seus filhos, também ajudar no trabalho e na proteção das mulheres que ficaram para trás enquanto os homens lutam nas guerras. Ela cria um grupo de mulheres para defender o local durante a ausência de seus companheiros. Tenta torná-las fortes com suas sábias palavras e com um enorme coração quase tão grande quanto sua incomensurável força física. Ela tenta transformar o mundo num lugar mais justo e amoroso. Todavia há momentos em que ela não tem alternativa e se vê obrigada a lutar para proteger aqueles que ama.
Além dessas duas narrativas principais que conduzem o primeiro livro, chegando ao seu fim a narrativa passa a focar nos filhos do casal. Mostra um com um sério problema, que obriga a intervenção Hisa. Depois finaliza mostrando a história de seu primogênito, Matataro, que deseja ser um artista. Parte do segundo álbum acompanhamos a sua busca pelo sentido na vida. Enquanto ele perambula pelo Japão, ele se pergunta os motivos de tanta violência, passando por situações inusitadas, questionando seus valores e ideais num mundo em guerra, fome, descrença e de abandono. Um lindo contraponto é apresentado entre pai e filho, guerreiro e artista, guerra e paz. Ele passa a se questionar, tenta entender os motivos de ser quem é, tendo sempre um pouco de seus pais em suas atitudes.

Mais forte do que a Espada é uma obra excepcional, Hirata nos entrega uma narrativa histórica que retrata diferentes questões da vida, fala sobre o papel dos pais, mostra como deveria ser a postura de um casal. Apresenta uma dura crítica à guerra, assim como mostra a sua necessidade. É em minha opinião, até o momento, a obra mais filosófica de Hirata e a minha preferida. Há muita coisa boa nessa HQ como não estou interessado em estragar a experiência de ninguém preferi fazer um texto mais superficial, quero muito que todos possam ler essa obra passando pelas mesmas experiências que eu tive. Mais um belo petardo do PN.