A Solidão nos quadrinhos
É comum que alguns artistas se coloquem em suas próprias obras despindo-se em frente de seus leitores, relatando e retratando seus pensamentos, dilemas e aprendizados, normalmente numa luz mais crua que não os favoreçam. Nos quadrinhos temos autores que sabem trabalhar muito bem essa abordagem, é o caso de Adrian Tomine que conseguiu reavaliar não apenas sua vida como um pouco da história do mercado norte-americano de HQs em A solidão de um quadrinho sem fim, publicado em nosso país pela editora Nemo.

Adrian Tomine:
Adrian Tomine é um dos grandes nomes do quadrinho underground, para quem não está familiarizado com o termo essa é a definição dada aos quadrinhos com temáticas mais adultas, que fogem, em regra, da fantasia de superpoderes mostrando pessoas que enfrentam seus problemas cotidianos podendo ser carregado de conotações sexuais, uso de drogas entre outros tópicos evitados pelos supertipos.
Em A solidão de um quadrinho sem fim vemos que Tomine se desnuda nas páginas mostrando seus medos, inseguranças, erros, arrogâncias e conquistas. A HQ segue apenas o ponto de vista do autor apresentando-o ainda muito jovem que ao chegar numa nova escola já se identifica como um desenhista e colecionador de quadrinhos.
Momentos específicos que tiveram de alguma forma muito impacto ao autor:
O interessante desse trabalho é que são colocados momentos específicos que tiveram de alguma forma muito impacto ao autor, mostra um pouco de seus pensamentos, uma certa arrogância para combater a insegurança, munida a fantasias de grandeza. Adrian se desnuda como se estando numa seção de terapia, fala sobre o seu entusiasmo ao ir a uma grande convenção de quadrinhos, San Diego Comic Con, esperando ser reconhecido e como a realidade é bem diferente de seus devaneios, destaca como a cada golpe que recebe da vida ele questiona a sua vocação, seu desajeitado traquejo social, seus valores e sua vida.
Além de mostrar muitos de seus dissabores nos bastidores da indústria a obra ainda retrata os seus problemas de relacionamento com o sexo oposto, como ele não se sente a vontade tendo de falar em público, como acidentalmente é mau interpretado pelos outros, como prejudica direta ou indiretamente outras pessoas, ou seja, ele comenta pequenos causos que denotam sua infantilidade e imaturidade ao se sentir todo poderoso por críticas favoráveis e um perdedor que chora em seu quarto com as opiniões e situações adversas.

O Formato:
Um dos maiores acertos dessa obra é o formato em que foi impresso, publicado num caderno do tipo moleskine, um pequeno livro com capa dura que serve para esboços e anotações, com pautas quadriculadas que ficam ao fundo das páginas e, não atrapalham na leitura caso alguém se pergunte. A história como dito é uma avalanche de situações, um tsunami emocional uma colcha de retalho de diferentes momentos que o autor recria da sua infância até o momento próximo ao lançamento da obra.
A arte é simplesmente demais, seu traço é simples e eficiente, bastante caricato, mas que retrata muito bem as pessoas e os lugares em páginas que contam com seis quadrinhos, de forma uniforme toda a narrativa é apresentada em seis quadros, um pouco para manter o ritmo da leitura e não trazer nenhum tipo de surpresa ao leitor, outro motivo para retratar a profissão de quadrinista que é repetitiva e presa a uma pequena mesa de desenhos, dessa forma a sua vida está sempre em uma rotina contínua e solitária com uma cadência própria quase que imutável.
Lemos o diário de um homem imaturo que tenta alcançar a fama, sofrendo deboches, não tendo (em alguns momentos) nenhum fã e até mesmo sendo confundido com Daniel Clowes, outro grande autor underground. A obra expõe as suas ansiedades e inseguranças em momentos que ficam entre o cômico e o trágico. Tomine mostra um ponto de vista que não perdoa o mercado, os amigos e principalmente ele próprio.

Conclusão:
Em A solidão de um quadrinho sem fim temos o relato de alguém que mostra as suas dúvidas e incertezas, retrata crueldades do meio em que vive e até mesmo as que ele próprio realiza. Somos apresentados ao seu crescimento e amadurecimento emocional e artístico. Como aos poucos o autor aprende a se relacionar com outros, mesmo cometendo muitos erros. Entramos em seus pensamentos enquanto ele se torna quadrinista, marido e pai. É uma HQ humana que em momentos parece ser repetitiva, mas que finaliza com um belo discurso final, uma epifania sobre sua vida e o que poderia ser considerado, ao menos ao autor, a salvação para a solidão.