Nós, os mortos: a busca pela vida em meio da morte
Sou um grande fã da série Walking Dead, a forma como Robert Kirkman apresenta pessoas criveis que lidam com situações parecidas com as nossas, mas com uma pequena dificuldade à mais que são os mortos que devoram os vivos. Adoro a sua série Zumbis Marvel, como ele trabalha com mortos-vivos inteligentes que usam sua sagacidade para “sobreviver” é muito instigante. Adoro tudo que tenha zumbi, sejam filmes, seriados, jogos livros e quadrinhos.
The Walking Dead europeu:

Tomei conhecimento de Nós, os Mortos há alguns anos, na época se não me falha a memória a HQ seria publicada pela Mythos dentro da coleção Gold Edition, que trazia material europeu num formato diferenciado, infelizmente o mercado não olhou de forma tão positiva para essas obras como ocorreu tempos depois com os Omnibus da DC ou Marvel, não que ache o material desses encadernados ruins, eu estou numa fase da vida em que prefiro ver mais material como os que saíram na coleção Gold Edition.
Felizmente a série Nós, os Mortos de Darkon Macan, roteiros, e Igor Kordey, arte, publicada na França em 4 volumes, originalmente chamada de Nous les morts, foi compilada numa única edição editada pela Mythos. Devo confessar que estava muito ávido em adquirir esse material, pois eu adoro o artista Kordey que trabalhou em algumas edições da revista X-Men durante a fase do Grant Morrison.
Zumbis na idade média:

É divertido ver a história se iniciando durante o século XIV, a Europa diferente do que aconteceu em nosso mundo não superou a peste negra, a população foi transformada em Zumbis, todavia nos deparamos logo no inicio com o Padre Swift, ele passa pela mesma transformação que todos ao seu redor, diferentemente dos seus semelhantes ele ainda mantém a sua inteligência, o que o faz questionar a situação que está passando, não entendendo o seu significado, estariam eles presos no paraíso ou no inferno?
Anos mais tarde, séculos depois na verdade, vemos um ritual Inca em que guerreiros da tribo norte-americana Lakota são sacrificados, em poucas páginas tomamos conhecimento de que o império Inca dominou todo o continente americano, tendo os astecas como seus guerreiros e os Maias como seus filósofos, ambas a civilizações foram dominadas e subjugadas. Há uma sociedade mais moderna que possui armas de fogo e até mesmo dirigíveis, uma espécie de balão.
O patriarca Inca com medo de morrer devido a sua avançada idade manda um grupo de pessoas de sua confiança até o velho mundo, curiosamente uma embarcação vinda da Europa chegou na América, esses seres animalescos e sem intelecto são um segredo de estado, apenas o rei e algumas figuras importantes sabem sobre esses imortais, uma vez que eles estão cativos e ainda móveis após décadas. A missão desses escolhidos é ir até a Europa e descobrir a fonte da juventude.
Foge do lugar comum:

Algo que gosto muito dessa leitura é que ela foge do lugar comum, não temos heróis fortes e imponentes, há apenas pessoas falhas, mesquinhas, autocentradas que buscam satisfazer seus próprios interesses. Outra coisa divertida surge do choque cultural, enquanto os europeus possuem uma visão mais puritana sobre o sexo, a maneira de lidar com a sexualidade dos americanos é muito diferente, há diversos bons momentos que mostram como ambas as culturas são muito diferentes em seus ritos e costumes.
Temos duas histórias paralelas uma que se passa no velho continente e outra no novo, ambas cheias de reviravoltas, além de muita exploração sexual, acredito que isso seja uma maneira de retratar a cultura indígena, tradicionalmente mais sexualizada e sem os mesmos tabus que a dos católicos. A trama é cheia de artimanhas, muitas vezes pensamos saber em que direção o roteiro segue, mas algo ocorre e somos pegos de surpresa.
Imaginava que leria uma história de ação, mas o roteiro de Macan nos traz reflexões políticas, religiosas, amorosas e até culturais. É muito gratificante ver a sua visão da sociedade Inca, enquanto um outro grupo se digladia com os mortos. Ademais, a arte de Kordey é simplesmente incrível, certamente um dos pontos altos da obra, sua narrativa é bem impressionante, a maneira como ele recria as indumentárias indígenas e o mundo europeu é excepcional. Complementando seu primoroso trabalho as cores de Yana dão ainda mais profundidade a esse bom trabalho.

Conclusão:
Só posso concluir que essa foi uma boa leitura, quando escutei a premissa na primeira vez fiquei muito interessado, mas nada poderia me preparar para o que li. Uma história sobre a condição humana, de sobrevivência e de amor. Essa HQ foi uma grata surpresa, quem gosta de bons quadrinhos não terá do que reclamar.